Mulheres líderes: Isabel Canha e Maria Serina
Entrevista

Publicado a:
18/12/2023

Escrita:
Vanessa Trindade

De Trainee a CEO: 7 segredos de sucesso de mulheres líderes

Juntas escreveram sete livros e o mais recente, De Trainee a CEO, revela os 7 segredos do sucesso das mulheres líderes que Isabel Canha e Maria Serina identificaram ao longo de centenas de entrevistas a gestoras, empresárias e empreendedoras.

Duas jornalistas, amigas de longa data, ambas licenciadas em direito, ambas com percurso na coordenação de revistas e jornais económicos e femininos, em 2015 decidiram criar o seu próprio título. Assim nasceu a Executiva.pt, um lugar onde se destaca a liderança feminina.

Juntas escreveram sete livros e o mais recente, De Trainee a CEO, revela os 7 segredos do sucesso das mulheres líderes que Isabel Canha e Maria Serina identificaram ao longo de centenas de entrevistas a gestoras, empresárias e empreendedoras.

O Dscarb não podia passar ao lado destas duas mulheres que são uma inspiração e, por isso, aqui fica a vez de serem elas as entrevistadas.

No vosso último livro, perspetivam uma linha de crescimento entre, uma profissional júnior e a liderança. Acreditam que é mesmo possível?

Isabel Canha: Claro que sim! Muitas carreiras iniciam-se com um cargo júnior, de trainee, à saída da Universidade, e se o profissional tiver competências técnicas, soft skills, capacidade de trabalho e ambição, poderá acumular um conjunto de experiências profissionais que o levem a ser escolhido para desempenhar funções de direção ou de liderança de uma empresa ou outra organização. Há inúmeros casos que demonstram que tal é não só possível como desejável. Porém, essa ascensão pode não ser desenhada por uma linha reta ascendente que ligue diretamente a base ao topo da pirâmide hierárquica, pois as carreiras desenrolam-se com avanços e retrocessos e com experiências laterais diversas.

Por outro lado, em particular nas carreiras das gestoras, por oposição aos gestores, esta progressão é mais dificultada por um conjunto de obstáculos que surge no caminho e a que se chama telhado de vidro. No nosso mais recente livro, De trainee a CEO, mostramos quais as 7 atitudes que são cruciais para que as executivas atinjam os cargos que ambicionam e que merecem. Porque, no caso das mulheres, em geral, a estratégia de fazer um bom trabalho e esperar passiva e pacientemente que o talento e o mérito se traduzam em reconhecimento raramente é bem-sucedida. É preciso, por exemplo, construir visibilidade dentro e fora da empresa, investir no networking, ou ganhar confiança e tomar a iniciativa de se propor para os cargos.

Que soft skills devem ter as mulheres, hoje, para poderem crescer e fazer carreira até à liderança?

Maria Serina: Mais do que soft skills, neste livro falamos nas atitudes que identificámos nas mulheres que chegam a funções de liderança quando muitas outras ficam pelo caminho.

1. Trabalhar com paixão. Ter paixão por aquilo que se faz. Trabalhar muito e bem, com brio e dedicação.

2. Investir na visibilidade. Fazer-se ouvir e demonstrar iniciativa, dentro e fora da empresa.

3. Ganhar confiança e arriscar. Não permitir que o medo impeça de aceitar uma promoção ou um novo desafio.

4. Conciliar sem complicar. Não há super-heróis, seja qual for o género, o importante é apostar no planeamento, organização e em redes de apoio.

5. Fazer networking. Construir uma vasta rede de contactos é valioso em inúmeras situações.

6. Ter mentores. Recorrer a pessoas mais experientes para ajudar a desenvolver todo o seu potencial e tomar as decisões certas em determinadas fases da carreira.

7. Gerir a energia e procurar o equilíbrio. Ter uma vida equilibrada e cuidar da saúde, para evitar o burnout.

Quais os maiores desafios das mulheres líderes, nos dias de hoje?

Isabel Canha: Diria que todos os mesmos desafios que os homens em posições de liderança, o de se mover num mundo imprevisível e em constante mudança, acrescidos de outras dificuldades adicionais. O maior desafio para as carreiras femininas e para as mulheres já em posições de liderança é o papel tradicionalmente atribuído às mulheres, de cuidadoras da família, e a ausência de uma partilha equilibrada dos deveres domésticos e familiares, o que dificulta a conciliação da vida profissional com a pessoal. Os inquéritos do uso do tempo dizem-nos que as mulheres, em geral, dedicam mais horas do que os homens a este trabalho não remunerado e fazem o seu percurso nas empresas com este trabalho adicional. Como respondem por uma parte desproporcional das responsabilidades domésticas e do cuidado parental, reduz-se a sua energia, foco e tempo para se dedicarem ao trabalho, o que se traduz em menores possibilidades de promoção.

Aliás, a conciliação da vida pessoal e profissional surge sempre em qualquer fórum em que proporcionamos a mulheres mais jovens interagir com líderes mais seniores, como acontece por exemplo no programa One Step Ahead – Líderes no feminino, que a Executiva promove em parceria com a AESE Business School. De tal forma que, depois de refletirmos se a pergunta não seria ela mesmo discriminatória, pois nunca ninguém pergunta a um homem como consegue conciliar, sentimos que ela é útil para as nossas leitoras e por isso não desapareceria do nosso guião de questões a colocar às nossas entrevistadas.

Que pode ser feito para termos cada vez mais mulheres na liderança das empresas?

Maria Serina: As mulheres estão tão bem preparadas quando os homens — são a maioria das licenciaturas, mestrados e doutoramentos —, o que falta é as empresas procurarem os melhores talentos, seja qual for o género, e aceitar e até incentivar que os colaboradores assumam os seus deveres como pais, para que a chegada de um filho não continue a penalizar sobretudo as mulheres. É também crucial que os homens deixem de ajudar as companheiras em casa e passem a dividir as tarefas que podem ser feitas por ambos, para que as mulheres não enfrentem uma dupla jornada de trabalho que limita, ou pelo menos, atrasa significativamente, a sua progressão profissional.

Qual foi o momento mais desafiante das vossas carreiras?

Isabel Canha: Todo o meu percurso foi um conjunto de desafios que na altura poderiam parecer titânicos, mas que hoje reconheço fazem parte de um projecto de desenvolvimento consistente e coerente. Com este disclaimer prévio, elegeria três momentos muito desafiantes e que se revelariam determinantes para o rumo futuro da minha carreira:

  1. A decisão (e a oportunidade que me foi concedida) de começar a trabalhar na secção de Economia do jornal Semanário, durante a frequência do 2.º ano da licenciatura em Direito, que escolhi com o fito de ser jornalista como os role models da altura, Miguel Sousa Tavares e Margarida Marante, ambos juristas de formação. Terminei o curso (na altura de 5 anos + 1 de estágio profissional) enquanto trabalhava no jornal nas férias de Verão e mais tarde integrando a equipa que fundou a revista Exame.
  2. As primeiras experiências de lideranças, enquanto directora de publicações:  da revista feminina Cosmopolitan, um desafio, pois, o mandato era o de dar a volta à má situação financeira do título e para mim significava uma revista de uma área completamente diferente (revista feminina e não de negócios); e da revista Exame, também em risco de encerrar, caso não se conseguisse assegurar a sua viabilidade financeira, o que forçou a sempre dolorosas restruturações (diga-se, despedimentos), e ao enorme peso da responsabilidade de conseguir salvar um título a que estava emocionalmente então ligada, pois fiz parte da equipa fundadora.
  3. A decisão de, em 2015, mudar de vida e tornar-me empreendedora. Com a Maria Serina, fundei a Executiva.pt, um site profissional para mulheres, com a missão de lhes dar conselhos de carreira que as ajudem a chegar aos cargos que ambicionam e merecem e role models que as inspirem nesse percurso, mostrando que é possível ter uma vida profissional preenchida e realizada (se essa for a sua opção), sem abdicar de uma vida pessoal e familiar feliz e equilibrada.

Maria Serina: Aceitar funções de liderança foram sempre momentos desafiantes, mas mais tarde percebi que isso acontecia porque eu valorizava mais a competência técnica — o que por si só não me distinguia das equipas que ia liderar —, enquanto o que me evidenciava era a atitude e as soft skills.  Mas se tiver de destacar o momento mais desafiante da minha carreira foi, sem dúvida, o lançamento da Executiva. Depois de quase 30 anos a trabalhar por conta de outrem, tornar-me empreendedora foi uma experiência completamente nova. Apesar da nossa experiência anterior como diretoras de publicações, desta vez o risco era 100% nosso e entre as duas tivemos de fazer tudo o que é preciso fazer numa empresa, desde encomendar um site, a emitir faturas, a fazer contactos com a Fnac e Corte Inglés para saber como colocar os nossos livros nas suas lojas, a negociar com empresas de catering e audiovisuais para os nossos eventos. Têm sido quase 9 anos de grande aprendizagem e muito gratificantes, pois sabemos que as nossas diferentes iniciativas — site, livros, ações de formação e Grande Conferência Liderança Feminina — têm ajudado inúmeras mulheres a acreditar que conseguirão chegar às funções que ambicionam e merecem.

Duas mulheres juntas a liderar uma empresa editorial. Qual o vosso segredo para o sucesso?

Isabel Canha: O desafio não é sermos uma equipa de duas mulheres. Conhecemo-nos e trabalhamos juntas com ligeiros interregnos, há mais de 30 anos. Ambas concordamos que na base do nosso entendimento está uma amizade muito forte e um respeito pela individualidade e pelos pontos fortes e fracos de cada uma de nós. Do ponto de vista profissional, equilibramo-nos e completamo-nos mutuamente. Gostamos de trabalhar juntas e temos um relacionamento muito fácil.

O verdadeiro desafio, esse sim, é o de liderar uma empresa editorial. Em plena crise económica e de mudança de paradigma do mercado editorial, decidimos investir as nossas próprias poupanças para nos lançarmos por conta própria, fundando um título inovador (a executiva.pt), numa altura em que não se falava tanto em igualdade de género, diversidade e liderança feminina (cremos que ajudámos a colocar esses temas na agenda de muitas empresas). Volvidos quase 9 anos, sabemos que a aposta foi ganha e é com muito orgulho que vemos a nossa empresa, a Redcherry, ser classificada como top 5% PME em Portugal pela Scoring, por exemplo, o que é resultado da nossa sustentabilidade financeira. Ou quando nos dizem que somos a única empresa que conhecem que paga as suas facturas em menos de 24 horas.

Que conselho gostariam de dar a uma mulher em início de carreira?

Maria Serina: Muitas vezes aconselhámos uma jovem jornalista promissora a continuar a fazer um bom trabalho, pois o mérito acaba sempre por vir ao de cima. Tal como contamos no livro De Trainee a CEO, testemunhávamos diariamente o seu talento, o seu empenho e iniciativa, e a rápida capacidade de aprendizagem. Trabalhava muito e bem, por isso acreditávamos que depressa seria recompensada com tarefas mais exigentes, de edição ou de coordenação, e sentiria o reconhecimento que lhe estava a faltar. Dissemos isso durante muitos anos porque acreditávamos piamente no bom conselho.

Isabel Canha: Hoje percebemos que o bom conselho não era o conselho mais útil. Em vez de a reconfortarmos com a competência e o trabalho árduo, que ela já exibia, mais-valia que lhe disséssemos que deveria sair da sua concha, que nunca seria reconhecida se não era primeiro conhecida. Que deveria apostar em construir maior visibilidade e fazer networking, por exemplo, duas das 7 atitudes que conduzem ao êxito profissional e que, no nosso mais recente livro, explicamos como desenvolver.

Quem é a Isabel Canha?

Isabel Canha, jornalista, é fundadora e diretora do site Exceutiva.pt

Licenciada em Direito pela Faculdade de Direito de Lisboa, tem extensa formação complementar (Gestão, Finanças, Marketing, Liderança, Jornalismo, etc.). Iniciou a sua atividade profissional em 1988, como colaboradora da secção de Economia do jornal Semanário. Integrou a equipa fundadora da revista de negócios Exame, em 1988, e Fortuna, em 1991. Em 1996 transitou para a Executive Digest, onde exerceu funções de editora-chefe e no âmbito da qual desenvolveu o suplemento trimestral Executiva. Em Dezembro de 2000 tornou-se diretora da Cosmopolitan.

Desempenhou funções de diretora da Exame de Setembro de 2003 a Dezembro de 2012 É autora do artigo “Liderança Feminina” (2012, Nova School of Business & Economics, Applied Knowledge) e dos livros As Mulheres Normais têm Qualquer Coisa de Excepcional (2009, Bertrand) e, com Filipe S. Fernandes, António Champalimaud – Construtor de Impérios (Esfera dos Livros, 2011),  Memórias de Executivas (Redcherry, 2015), Lições de Liderança de CEO Portuguesas (Redcherry 2016), Como Chegar a Líder (Redcherry, 2017) O Sucesso Não Cai do Céu (Redcherry, 2018) Novas Lições de Liderança de CEO Portuguesas (Redcherry, 2019)) Os Segredos dos Melhores Profissionais (Redcherry, 2021), e De trainee a CEO (Redcherry, 2023) estes últimos com Maria Serina, e Storytelling para Líderes (com Carminda Canha). Foi organizadora licenciada da TEDxBelémWomen (em 2013) e oradora na TEDxFCT-UNL 2013 com o tema “Telhado de vidro”.

Quem é a Maria Serina?

Maria Serina é co-fundadora e diretora-adjunta do Executiva.pt, um site de carreira para mulheres lançado em maio de 2015. É licenciada em Direito, tem uma pós-graduação em Marketing e fez formação em Gestão e Liderança. A sua carreira profissional começou em 1987 na revista Inforbolsa, tendo depois trabalhado no Semanário, Exame, Fortunas & Negócios e Executive Digest. No final de 2000 fez um desvio para o jornalismo feminino, integrando a equipa da Cosmopolitan, onde foi chefe de redação e depois diretora. 

Colaborou com o Expresso, Jornal de Negócios, Sábado, Máxima e em sites nas áreas do empreendedorismo e da formação universitária.

É autora dos livros Memórias de Executivas (Redcherry, 2015), Lições de Liderança de CEO Portuguesas (Redcherry 2016), Como Chegar a Líder (Redcherry, 2017) O Sucesso Não Cai do Céu (Redcherry, 2018) Novas Lições de Liderança de CEO Portuguesas (Redcherry, 2019)) Os Segredos dos Melhores Profissionais (Redcherry, 2021), e De trainee a CEO (Redcherry, 2023), todos com Isabel Canha.

 Foi co-organizadora da TEDxBelémWomen (2013) e colaborou com a equipa organizadora da TEDxFCT-UNL.

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