DescarbonizávelHelexia

Publicado a:
19/10/2023

Escrita:
Sérgio Marçalo

A maturidade das empresas nos ESG

BCSD: Olhar para os modelos de negócio e perceber qual a melhor forma de integrar os princípios ESG

No 7º episódio do podcast Descarbonizável, estivemos à conversa com João Meneses, Secretário Geral da BCSD e o tema foi a maturidade das empresas face às políticas ESG. A conversa foi conduzida por Isabel Martins, diretora de Revista Sustentável.

Pode ouvir na integra aqui:

COMPROMISSO DA BCSD

O grande compromisso da BCSD passa por reunir as empresas e em conjunto ajudá-las na sua jornada para a sustentabilidade. Olhar para os modelos de negócio e perceber qual a melhor forma de integrar os princípios ESG, de forma a criar valor não só para essas empresas, mas também para as pessoas e planeta.

Colocar as empresas associadas a dar respostas a desafios de caracter ambiental, já é uma questão de competitividade no curto prazo, porque os stakeholders, onde se incluem as novas gerações de compradores e investidores, querem fazer do consumo um ato de cidadania, impactando o mundo positivamente através das suas opções de consumo.

As sociedades estão em desequilíbrio e é cada vez mais pedido às empresas que gerem lucro, criem empregos, aumentem a riqueza, otimizando recursos. Mais de metade do PIB mundial assenta em recursos naturais escassos, no longo prazo temos aqui um problema de dimensões incalculáveis, porque se as matérias terminarem, vão acabar para sempre. É mais de metade do PIB mundial que cai. Deixa de haver condições para vida no planeta e deixam de haver negócios.

Assim é do interesse das empresas embarcarem nesta jornada da sustentabilidade, mudando o foco, optando por não inundar o mercado de produtos a qualquer preço, em busca só de retorno económico. A grande ajuda da BCSD é dar um propósito maior aos associados, de forma a que impactem de forma positiva a vida do planeta e das pessoas, e contribuir para que as futuras gerações possam vir a ter vidas melhores e mais felizes.

A MATURIDADE DAS EMPRESAS NA JORNADA DAS ESG

As empresas são diferentes, consoante a dimensão, geografia, grau de exposição internacional, e assim o seu conhecimento sobre estes temas, ou a sua maturidade ESG, é maior ou menor. Uma empresa grande tende a ser mais madura em termos de ESG. Se estiver exposta a mercados internacionais, por via da exportação, ou de investidores, é também tipicamente mais madura. Há também alguns setores mais dados a uma maior maturidade, nomeadamente: o setor têxtil e vestuário. Mas temos outras áreas de negócio em fases mais iniciais nesta jornada para a sustentabilidade.

Esta maturidade poderá ter a haver com empresas clientes, mais exigentes, que procuram passar a mensagem de que os seus produtos são sustentáveis. E para terem essa insígnia, têm que a montante na sua cadeia de valor, assegurar-se que os seus fornecedores também têm esta preocupação.

No sector agroalimentar, a agricultura biológica também já amadureceu, até por exigência das pessoas, porque a alimentação tem uma relação muito direta com saúde. Mas há setores onde ainda não há pressão de público final suficiente, por exemplo a construção e turismo. Por isso os players destes setores ainda se podem dar ao luxo de não terem uma oferta que crie tanto valor, ou que integre tão bem os critérios de ESG.

KIT PRIMEIRO PASSO PARA A SUSTENTABILIDADE E O PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO/MUDANÇA

A BSCD vai lançar um Kit de Primeiro Passo para a Sustentabilidade, que é um produto pensado para as PME. Na sustentabilidade não há caminho de regresso, as empresas terão mesmo de avançar e quem não apanhar essa carruagem vai forçosamente ficar atrasada ou fora de jogo. Este pacote, vai permitir à empresa medir e perceber onde está, concluir quais os primeiros passos a dar, medidas a implementar e definir a orientação estratégica. É um pack, que poderá ser visto como uma experiência de curto médio prazo, básico, que permite a qualquer PME saber qual a sua pegada carbónica.

A BCSD quer que as PME despertem para a sustentabilidade pela importância do tema, pelo seu propósito, nunca por via de mais um complicado processo burocrático e legal. Como é que de repente uma empresa se pode transformar por força do bem, na sua amplitude, impactar positivamente pessoas e planeta, fazer o negócio prosperar, dar empregos e pagar salários. A ideia passar por mover as empresas pelo propósito e não pelo lucro – Purpose instead of profit.

COMO É QUE INSPIRAMOS AS PME A ENTRAR NESTA JORNADA?

De duas formas, a primeira é através da comunicação. Embora ainda haja muito trabalho a fazer nesta área, é através da comunicação que vamos chegar ao coração das pessoas, para que entusiasmem e avancem na aventura da sustentabilidade. Grande parte do desafio das ESG é a comunicação.

A segunda será através dos Inner Development Goals (IDG). Inner Development Goals ou Objetivos do Desenvolvimento Interior são habilidades que todas as pessoas podem/devem desenvolver para se atingirem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU), para que coletivamente possamos cooperar para um mundo mais justo e sustentável. Para isso, é importante que cada pessoa tenha consciência do seu papel na construção desse mundo melhor.

Conclusão, se nós humanos/pessoas, não trabalharmos o nosso interior, não será possível grandes construções ou utopias.

EMPATIA, COMUNICAÇÃO E SUSTENTABILIDADE – ONDE É QUE É PRECISO ATUAR?

A comunicação tem de ser mais experiencial, com diferentes realidades a serem vividas por pessoas distintas – Life Changing Experiences. As empresas devem apoiar projetos que ajudem as pessoas a melhorarem a sua relação consigo próprias, com a natureza e com quem os rodeia. A empatia vai subir, bem como o interesse genuíno em se ser um veículo de construção positivo e não apenas um agregador de riqueza.

#descernavida. A sustentabilidade vai precisar de decisões ousadas e disruptivas e só vai ter coragem de as tomar quem estiver disponível para descer na vida, caso contrário a sua primeira preocupação será sempre defender uma zona de conforto. Mas para se estar disponível para se descer na vida, tem de haver grande equilíbrio pessoal. Só assim será possível satisfazer interesses das ESG e da sustentabilidade no longo prazo.

SETORES MAIS E MENOS AVANÇADOS NA JORNADA DA SUSTENTABILIDADE – ONDE É QUE É PRECISO TRABALHAR PARA DAR FERRAMENTAS ÀS EMPRESAS?

A sustentabilidade é uma transformação que pede doses massivas de inovação. A inovação deve ser trabalhada em três horizontes: Incremental; Disruptivo e Moonshot.

O que é que é o Moonshot? Moonshot é o aspiracional a longo prazo, é o que se chama de Man On the Moon. O que é que eu poderia estar a ser, ou a fazer daqui por dez, ou quinze anos. As empresas deverão abrir uma pista de investigação, de desenvolvimento de produto, nesse sentido. O que é que é preciso fazer para se chegar a determinado ponto aspiracional ou a determinada visão.

Na Disrupção vivemos objetivos mais reais e de médio prazo, nomeadamente: quais os novos materiais mais bio, quais os novos conceitos de packaging e soluções de modelo de negócio. Por exemplo, vender serviços em vez de vender produtos, utilizar a economia da partilha, a circularidade, reduzir resíduos e reintroduzi-los ou assumir políticas de zero resíduos, com 100% circularidade.

O incremental é o que se pode fazer hoje e já: é a redução de consumo de matérias primas, de energia, de água, etc. A transição acaba por se fazer, as empresas agarram-se áquilo que é incremental e economicista, a redução de consumos permite-lhes poupar ao fim do mês, o que é imediato e bom, mas depois esquecem-se da via disruptiva e do moonshot. Mas estas duas vertentes precisam de recorrer a técnicas do empreendedorismo e inovação, business developtment, lean start up, design thinking, que no mundo da sustentabilidade ainda não são muito comuns. Há empresas que já começam a ter aceleradoras internas, para repensar a cadeia de valor, redesenhar o portfólio de produtos, em moldes completamente novos. A sustentabilidade para acontecer precisa de inovação e a inovação deverá ser trabalhada, nestes três horizontes: incremental, disruptivo e moonshot.

OBRIGAÇÕES LEGAIS: DIRETIVA COMUNICAÇÃO DE INFORMAÇÕES SOBRE SUSTENTABILIDADE DAS EMPRESAS (DIRETIVA CISE). DE QUE FORMA É QUE ESTA DIRETIVA PODE IMPACTAR O TECIDO EMPRESARIAL?

É fundamental o progresso no sentido de tornar transparente a cadeia de valor e partilhar com o consumidor final os impactos, dependências e riscos dessa mesma cadeia. Se quisermos fazer do consumo um ato de cidadania, temos de ter noção sobre os impactos que os produtos têm na vida das pessoas e no planeta: Qual é a pegada carbónica, hídrica, ao longo de todo um ciclo? O fornecedor num pais em desenvolvimento está a receber o suficiente? É um comércio justo, ou injusto? Preço de um produto: Que parcelas desse valor é que foram para as diversas etapas da cadeia de valor? Este é o desafio do passaporte produto através de informação nas etiquetas dos produtos. Este full disclosure, de tornar absolutamente transparente essa cadeia de valor é importantíssimo.

Partilhar impactos, riscos e dependências não se deve esgotar no labeling, deve também haver um relato da história da empresa. O que vai obrigar à criação de sistemas de informação mais sofisticados, capazes de integrar outros tipos de indicadores de avaliação de performance.

A sustentabilidade é para levar tão a sério como outro tema. Para acontecer precisa de ser medida e deve ser partilhada para que todos, investidores, trabalhadores e consumidores, possamos tomar decisões. Esta diretiva é tão importante, a par de outras, procurement das cadeias de valor, desde abastecimento, due dilligence, passaporte de produto. Todas têm na génese a obrigação ética e legal de partilha com os stakeholders, para tornar mais transparente determinada atividade.

TRATAMENTO E RECOLHA DA INFORMAÇÃO

O KIT Primeiro Passo para a Sustentabilidade, a lançar pela BCSD, vai ser um primeiro degrau para ajudar as PME a recolher, tratar e processar indicadores. Para depois transformar esses dados em informação pertinente para a tomada de decisão na jornada da sustentabilidade. Agora, as associações sectoriais não estão a fazer o suficiente, há muitas ainda negacionistas, que só se preocupam com temas mais materiais, ou de caracter económico. Por exemplo, é muito interessante a ideia da partilha de um recurso, que são pessoas altamente qualificadas em sustentabilidade, que podem ser contratadas, pelas organizações empresariais, que sozinhas não conseguem ter uma equipa de sustentabilidade. Estas pessoas/equipas também podem ajudar neste processo de apoio à criação a informação. Há também outras associações empresariais, que são como o BCSD, que existem para ajudar as empresas.

POLÍTICA – MEDIDAS A TOMAR

A sustentabilidade está fora da concertação social e, portanto, a primeira coisa a concretizar seria fazer da sustentabilidade um tema para a concertação social. A última revisão de uma política fiscal verde em aconteceu em 2014, passaram dez anos desde que tivemos uma disrupção do ponto vista fiscal no sentido de uma política fiscal verde, já vai na hora de se fazer uma revisão, no sentido de a tornar ainda mais verde e dar assim um incentivo às empresas.

Isabel Martins e João Meneses a debater as ESG

Sobre o BCSD

O Business Council for Sustainable Development (BCSD) Portugal, membro da Rede Global WBCSD, é uma associação sem fins lucrativos que agrega e representa mais de 170 empresas de referência em Portugal, que se comprometem ativamente com a transição para a sustentabilidade.

Tem como missão ajudar as empresas associadas na sua jornada para a sustentabilidade, promovendo o impacto positivo para stakeholders, a sociedade e o ambiente. Esta missão materializa-se em 3 atividades-chave: Grupos de trabalho (GT);  Formação e Comunicação.

O BCSD tem uma ampla representação setorial e empresas de diferentes dimensões, desde as que integram o índice bolsista PSI20 a outras de menor dimensão. O volume de vendas dos seus associados representa cerca de 10% do PIB nacional.

Sobre João Meneses, Secretário Geral do BCSD

Licenciado em Gestão, já exerceu diversos cargos de gestão e liderança nos sectores público e privado, bem como no terceiro setor. Entre outras funções, foi presidente da TESE, uma ONGD bastante ativa em Portugal e nos PALOP, coordenador do GABIP Mouraria na Câmara Municipal de Lisboa, Secretário de Estado da Juventude e do Desporto no XXI Governo Constitucional de Portugal e, mais recentemente, general manager de um fundo de investimento para business angels e de uma aceleradora da Porto Business School (Universidade do Porto). Foi, também, professor convidado em duas universidades portuguesas durante cerca de dez anos.

Os tópicos da inovação e da sustentabilidade têm sido uma preocupação constante ao longo da sua carreira profissional.

No BCSD desde outubro de 2018, nuns dias é mais Chief Dreaming Officer, outros mais Chief Delivery Officer.

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