ai no retalho
Opinião

Publicado a:
21/05/2024

Escrita:
Catarina Padrão

Impacto da IA no setor do retalho

A Inteligência Artificial (IA, ou Artificial Intelligence, AI, em inglês) tem vindo a evoluir de forma significativa ao longo das últimas décadas, sendo já amplamente utilizada em vários contextos da sociedade e da economia.

Em particular no setor do retalho, surgem cada vez mais aplicações de AI ao longo de toda a cadeia de valor, desde o aprovisionamento e gestão de stocks, até ao suporte ao cliente, com inúmeros objetivos: aumento de eficiência através de automação, permitindo redução de custos operacionais e a minimização de erros, cibersegurança, análise de dados com capacidade preditiva, melhoria e personalização da experiência de cliente, desenvolvimento de novos produtos, entre outros.

Ao nível da gestão da cadeia de abastecimento, o principal benefício da AI consiste na redução de custos e melhoria de margens, como resultado da otimização da gestão de inventários ou do planeamento e gestão de encomendas. Segundo o estudo Managing a modern supply chain: Utilizing AI to combat complexity, ao longo dos últimos 3 anos a Deloitte já suportou mais de 25 grandes organizações a alcançar mais de 3 mil milhões de dólares em benefícios resultantes do desenvolvimento de soluções de AI aplicadas à cadeia de abastecimento. Complementarmente, existem vários exemplos amplamente divulgados de soluções similares, nomeadamente a H&M, que utiliza AI para processar e analisar um elevado volume de dados associados a todas as compras, devoluções e informação do seu programa de fidelização, de forma a adaptar o nível de stock individual de cada loja. Destaca-se também o exemplo da Walmart, que utiliza um chatbot para negociar com os fornecedores, com base em informação de orçamento e prioridades de negócio, resultando numa redução de 3% de custos e com vantagens também sentidas pelos próprios fornecedores – 75% indicaram preferir a interação com o chatbot em detrimento da negociação tradicional com um colaborador da Walmart.

No entanto, a AI pode ser utilizada no setor do retalho para atingir benefícios que vão além dos resultados da própria organização, contribuindo para um setor mais sustentável, resiliente e inclusivo. De que forma? Através da combinação de duas abordagens: recorrer a AI para solucionar desafios de sustentabilidade, como a descarbonização, e utilizar a própria inteligência artificial de forma mais sustentável.

Por um lado, as aplicações que referimos anteriormente podem apresentar resultados favoráveis ao nível do seu impacto ambiental. Como destacamos na edição de 2023 do estudo Global Powers of Retailing, ao recorrer a inteligência artificial como forma de otimizar as suas cadeias de abastecimento, desenhar e operar modelos de negócio circulares e aumentar a rastreabilidade ao longo da cadeia de valor, as empresas estão também a utilizar os recursos de forma mais eficiente e a minimizar o desperdício, resultando num impacto ambientalmente mais positivo.

Na categoria de produtos alimentares, estima-se que a utilização de inteligência artificial tem o potencial de gerar benefícios anuais de 127 mil milhões de dólares em 2030. Este potencial é alcançado através da aplicação de AI ao longo das fases de produção, processamento, logística e consumo de alimentos. No contexto específico do retalho alimentar, a inteligência artificial pode ser utilizada para prever de forma mais precisa a procura e oferta de produtos perecíveis, permitindo uma gestão mais efetiva e minimizando o desperdício de alimentos. A Albertsons, uma cadeia de supermercados norte-americana, tem como objetivo reduzir o desperdício alimentar em 50% até 2030 e está a recorrer à plataforma de AI Afresh Technologies para suportar a gestão de inventário, com base em encomendas preditivas, permitindo também oferecer produtos mais frescos aos seus clientes. Destacamos também o exemplo da Too Good to Go, que lançou uma plataforma de AI para suportar os retalhistas na gestão de excedentes alimentares. Esta é uma solução modular, que inclui funcionalidades como gestão da data de validade, recomendações, desconto inteligente, marketplace e doações. Em Portugal, o Celeiro é o primeiro retalhista a implementar esta plataforma.

Noutra categoria, a de produtos eletrónicos, o potencial anual ascende a 90 mil milhões de dólares em 2030, por exemplo, através do alargamento do tempo de vida útil dos produtos, com base em manutenção preditiva que pode ser prestada como um serviço pós-venda aos clientes, ou através do recurso a robótica e reconhecimento de imagem para melhorar e acelerar o processamento de resíduos de equipamentos elétricos e eletrónicos, contribuindo para a redução da pegada carbónica.

Ao nível de operações de loja, uma das fontes de energia e emissões de carbono relevantes no setor de retalho, o recurso a tecnologia AI já é utilizado como forma de aumentar a eficiência energética e reduzir as emissões através de uma gestão otimizada de sistemas AVAC (Aquecimento, Ventilação e Ar Condicionado), assegurando simultaneamente o conforto do cliente através do controlo adequado da qualidade do ar e temperatura. Existem já várias soluções de mercado disponíveis, que reportam uma redução dos custos de energia de 25% e redução de emissões associadas a climatização de 40%.

A forma como a Inteligência Artificial pode contribuir para a descarbonização do retalho é clara e abrange várias dimensões deste setor, devendo continuar a ser desenvolvida para permitir alcançar benefícios cada vez maiores. Porém, não devemos desconsiderar a importância de utilizar AI de forma responsável, atendendo ao próprio impacto ambiental desta tecnologia: existem estimativas que indicam que o desenvolvimento e utilização de um único modelo de GenAI (Inteligência Artificial Generativa) pode resultar em 284 toneladas de carbono, o equivalente às emissões de 5 carros ao longo de todo o seu ciclo de vida (média para carros nos EUA, incluindo a produção). Este desafio encontra-se cada vez mais no centro do desenvolvimento desta tecnologia (a Harvard Business Review publicou o ano passado um conjunto de recomendações para reduzir o impacto ambiental de genAI), o que torna ainda mais promissor e animador a sua aplicação para a descarbonização do retalho.

Em síntese, o combate ao greenwashing e a promoção da descarbonização no retalho exigem uma abordagem multifacetada que promova a descarbonização, em particular através da implementação de mecanismos de precificação de carbono, do estabelecimento de metas de redução de emissões e do apoio à investigação e desenvolvimento de tecnologias de baixo carbono, passando também por regulamentação robusta, transparência corporativa, educação dos consumidores e colaboração entre stakeholders. Só assim será possível impulsionar a inovação e a adoção de práticas que contribuam para um futuro mais ecológico, resiliente e sustentável.


Artigo escrito pela equipa da Deloitte, para o Case Study “A inovação energética e a competitividade setorial


Gosta de ler o dscarb?

Se gosta de ler o dscarb e não quer perder as últimas notícias, subscreva o nosso canal no LinkedIn.

To top