barrita de insetos
Boas IdeiasDescarbonização

Publicado a:
06/12/2023

Escrita:
Sérgio Marçalo

Comer insetos e fazer deles protagonistas

Segundo a DGAV, desde dia 28 de junho 2021, já se podem comercializar insetos inteiros, não vivos, ou moídos em farinhas em Portugal

DE UM CICLO ECOLÓGICO VIRTUOSO E SABOROSO

A equipa de criados entra na sala com diversas travessas de prata cheias de comida fumegante, Willie observa-as com curiosidade e espanto. Várias conversas circulam pela sala, gerando um incomodativo ruído de fundo, mas a comida é ainda mais inacreditável! Uma das serventes inclina-se sobre o ombro de Willie e coloca um besouro de quinze centímetros de comprimento no seu prato. Ao olhar para a refeição Willie choraminga baixinho, enquanto observa ao seu lado, um mercador gordo, cheio de entusiasmo a levantar um dos insetos pretos e brilhantes, a parti-lo em dois e a sorver com entusiasmo todo o seu interior, amarelado, húmido e pegajoso.

Ao olhar para Willie, o mercador diz: “Mas, não está a comer!” Ao que Willie responde: “Eu hum, comi insetos ao almoço…”

À medida que a conversa de fundo e a refeição continuam, Willie ouve, enojada, o som da casca dos besouros a partir e observa enjoada os outros convidados comerem o viscoso miolo dos insetos.

Esta é a inesquecível cena do jantar que decorre no extraordinário Palácio do Prazer, no filme Indiana Jones and the Temple of Doom, numa sala de jantar glamorosa, iluminada por brilhantes archotes e velas tremeluzentes, com música exótica e uma longa e baixa mesa, cercada por coloridas e confortáveis almofadas. O filme é de 1984, protagonizado por Harrison Ford e Cate Capshaw e realizado por Steven Spielberg.

Mas será que esta imaginativa realidade está muito distante da nossa?

Há muitos anos que os humanos comem insetos. No mundo ocidental deixámos de o fazer em determinada altura da nossa história, mas esta é uma tendência que teremos de voltar a incluir na nossa dieta semanal. A entomofagia (prática de comer insetos) tem prevalecido em todo o mundo como um hábito secular e saudável. Os países no mundo onde mais se comem insetos são: a República Democrática do Congo, o Congo, a República Centro-Africana, os Camarões, o Uganda, a Zâmbia, o Zimbabué, a Nigéria e a África do Sul, mas este tipo de alimentação estende-se a todos os continentes, como a Ásia, América ou Europa. Estes são apenas nove de mais de 150 nações onde a entomofagia é praticada regularmente e onde a sua popularidade está em constante crescimento. Os insetos mais consumidos incluem lagartas, grilos, gorgulhos e gafanhotos, etc.

Estima-se que em 2050, a Terra terá perto de 10 mil milhões de pessoas. A alimentação saudável e em quantidade será um dos maiores problemas da humanidade e a procura de proteína excederá a capacidade de a obter. A proteína é um dos principais combustíveis para o funcionamento do nosso corpo, são as moléculas orgânicas mais abundantes nas nossas células e fundamentais para a estrutura e função celular. Sem elas, o corpo não consegue produzir alguns dos aminoácidos essenciais de que necessitamos para viver. Para a nossa sobrevivência a longo prazo, precisaremos de aumentar a produção alimentar e, ao mesmo tempo, diminuir as nossas emissões de carbono. Para tal teremos globalmente de inovar na produção de alimentos e no que pensamos sobre os alimentos.

Em Portugal

Segundo a DGAV, desde dia 28 de junho 2021, já se podem comercializar insetos inteiros, não vivos, ou moídos em farinhas em Portugal. As espécies no mercado são: Acheta domesticus e Gryllodes sigillatus (duas espécies de grilos); Alphitobius diaperinus (besouro); Apis mellifera male pupae e Tenebrio mollitor (duas espécies de larvas); e Locusta migratória e Schistocerca Gregaria (duas espécies de gafanhotos).

Algumas empresas portuguesas estão a criar larvas de insetos que transformam em farinhas para incorporar em bolachas, pão, patés, barras energéticas, pães, massas, bases de pizza, crackers, snacks, chocolates, massas, granolas, etc.

Já está em vigor uma diretiva que autoriza a integração de insetos nas rações para peixes produzidos em aquacultura e a expectativa é que o mesmo aconteça para a produção de aves num futuro próximo. E à medida que a legislação vai sendo aprovada e a cultura alimentar se for alterando, a chegada dos insetos às nossas refeições começa a tornar-se cada vez mais uma realidade. Este é um setor ainda em desenvolvimento, mas em crescente dinâmica.

Insetos: Vantagens Alimentares

Mais tarde ou mais cedo, estes pequenos amigos vão entrar nas nossas casas, mas desta vez será via supermercado, despensa, frigorifico e prato.

A alimentação à base de insetos é riquíssima e, sendo, simultaneamente, sustentáveis do ponto de vista ambiental, é um dois em um que raramente se consegue com outros alimentos. Em termos nutricionais os insetos permitem um bom funcionamento do sistema digestivo, uma vez que são ricos em fibra, vitaminas, minerais e em ácidos gordos essenciais. Têm alto teor proteico, perfeitos para o crescimento da massa muscular. São ricos em Vitamina B12, Cálcio e Ferro, para a redução do cansaço e fadiga, bem como, em aminoácidos essenciais, para o desenvolvimento cerebral, celular e ósseo.

O ambiente agradece: Os insetos fazem parte de um ciclo ecológico virtuoso

A produção e o consumo de insetos como uma fonte alternativa de proteína, é mais sustentável do que a carne ou o peixe.

Os insetos revelam ser mais eficientes (em média, dois quilos de alimento chegam para produzir um quilo de insetos, enquanto no gado bovino são necessários oito quilos, por exemplo). Produzem menos gases com efeito de estufa, é necessário menos água e menos área de produção e podem ainda ser alimentados com subprodutos alimentares, fomentando a diminuição do desperdício e a economia circular.

Imaginemos o seguinte, os insetos alimentam-se de materiais orgânicos resultantes de outros processos e considerados atualmente como desperdício – como grãos usados das operações da produção de cerveja. O incentivo à entomofagia vai evitar que resíduos adicionais vão para aterros sanitários e proporcionar importância adicional a muitas indústrias, uma vez que vão fazer crescer o valor dos seus resíduos e desperdícios. Desviar materiais de lixeiras, que produzem toneladas de emissões de metano e que são dos maiores produtores de gases com efeito de estufa a nível global, é um dos maiores trunfos desta nova produção alimentar.

Esta cadeia de valor circular continuará a ajudar a diminuir as emissões, uma vez que os materiais orgânicos eliminados já não acabam em aterros.

Insetos comestíveis: Estatísticas e factos

Milhões de pessoas em todo o mundo dependem dos insetos como fonte essencial de nutrição há milhares de anos. Estes são ricos em proteínas, fáceis de cultivar, têm uma baixa pegada de carbono e podem ser fundamentais para reduzir a fome mundial e aliviar as preocupantes alterações climáticas. A Food and Agriculture Organization of the United Nations considera os insetos comestíveis e incentiva a sua adoção nas dietas alimentares de todo o mundo. Um dos principais benefícios deste formato de alimentação, é que o seu cultivo requer menos recursos do que as fontes tradicionais de proteína para a mesma quantidade de proteína. Embora a produção de um grama de proteína a partir de carne bovina exija 254 metros quadrados de terras agrícolas, a produção de um grama de proteína a partir de insetos requer apenas 18 metros quadrados.

O crescimento nos mercados globais

Segundo o Edible Insects Market Size & Share Analysis – Growth Trends & Forecasts (2023 – 2028), o tamanho do mercado de insetos comestíveis deverá atingir 3,20 biliões de dólares americanos em 2023 e crescer a um CAGR (Compound Annual Growth Rate) de cerca de 19% para atingir 7,60 biliões de dólares americanos até 2028. Neste período de tempo, espera-se que o mercado no Leste Asiático cresça cerca de 25% mais do que qualquer outra região no mundo.

Sustentabilidade

A sustentabilidade está na ordem do dia e todos podemos fazer a nossa parte. Tal como as empresas já começaram a fazer os seus roteiros de descarbonização, também nós podemos fazer um pouco todos os dias seja através da alimentação, da circularidade ou reciclagem. Juntos podemos fazer do planete um lugar melhor.

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